Pierre Lévy

A pandemia do coronavírus tem e continuará tendo efeitos catastróficos não só em termos de saúde física e mortalidade, mas também nas áreas de saúde mental e economia, com consequências sociais, políticas e culturais difíceis de calcular. Já se pode dizer que a escala do sofrimento e da destruição está se aproximando de uma guerra mundial.

Se ainda houver necessidade, estamos progredindo na consciência da unidade e da continuidade física de uma população humana planetária compartilhando um ambiente comum. O espaço público se deslocou para o virtual e todos estão participando da comunicação por meio das mídias sociais. As principais plataformas web e serviços online têm visto um aumento considerável na sua utilização e as infraestruturas de comunicação digital estão no limite da sua capacidade. Medicina, educação, trabalho e comércio à distância tornaram-se comuns, anunciando uma profunda mudança de hábitos e habilidades, mas também a possibilidade de limitar a poluição e as emissões de carbono. A Internet é mais do que nunca uma parte dos serviços essenciais e até mesmo dos direitos humanos. Para dar soluções a esta crise multifacetada, novas formas de inteligência coletiva estão contornando as instituições oficiais e as barreiras nacionais, particularmente nos campos científico e da saúde.

Ao mesmo tempo, intensificam-se os conflitos de interpretação, as guerras de informação e as batalhas de propaganda. Falsas notícias – também virais – estão chegando de todos os lados, aumentando a confusão e o pânico. A manipulação vergonhosa ou maliciosa de dados acompanha as disputas ideológicas, culturais ou nacionais em meio a uma reorganização geopolítica global. As trocas globais e locais estão se reequilibrando em favor destas últimas. O poder político está aumentando em todos os níveis de governo com uma notável fusão de inteligência, polícia e serviços médicos instrumentados por comunicações digitais e inteligência artificial. No interesse da saúde pública e da segurança nacional, a geolocalização universal dos indivíduos por telefone celular, pulseira ou anel está no horizonte. A identificação automática por reconhecimento facial ou batimento cardíaco fará o resto.

Para equilibrar essas tendências, precisamos de maior transparência do poder científico, político e econômico. A análise automática dos fluxos de dados deve se tornar uma habilidade essencial ensinada nas escolas, pois agora condiciona a compreensão do mundo. O aprendizado e os recursos analíticos devem ser compartilhados e abertos a todos de forma gratuita. Uma harmonização internacional e interlinguística dos sistemas de metadados semânticos ajudaria a processar e comparar dados e a suportar formas mais poderosas de inteligência coletiva do que aquelas que conhecemos hoje.

Com uma coroa de espinhos em seu crânio sangrento, a humanidade entra em uma nova era.

¹ Tradução livre por Zayr Claudio, doutorando em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.